sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A POLÊMICA EM TORNO DO GUIA ALIMENTAR PARA A POPULAÇÃO BRASILEIRA

Nas últimas semanas vimos o despontar de mais uma das tantas tentativas de se “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas” que nos avisou o atual Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na fatídica reunião do dia 22 de abril de 2020. A polêmica envolvida dessa vez foi puxada pela Ministra Tereza Cristina, responsável pela pasta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil (MAPA) e uma nota técnica enviada ao Ministério da Saúde para mudanças no Guia Alimentar para a População Brasileira, articulado ainda no primeiro Governo Dilma Rousseff.

Baseado em estudos de instituições como as Nações Unidas e a Universidade de Harvard, ele foi pensado para defender o consumo de alimentos frescos ou pouco processados e também das tradições culturais do país (cada país tem o seu guia baseado no perfil populacional e cultura). A ideia é que ele seja atualizado de tempos em tempos por meio do avanço das pesquisas científicas que balizam estudos sobre alimentação e saúde. Assim, o Ministério da Saúde em conjunto com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Universidade de São Paulo (USP), elaboraram o documento em fins de 2014.

Pensando nas dimensões continentais e nas desigualdades que permeiam o território nacional, ele tenta se aproximar do que seria ideal para manutenção da saúde, cultura e vida social brasileira.

Foi divido em 5 capítulos: ‘Princípios’, ‘A escolha dos alimentos’, ‘Dos alimentos à refeição’, ‘O ato de comer e a comensalidade’, ‘A compreensão e a superação de obstáculos’, e uma seção final de ‘Dez passos para uma alimentação adequada e saudável'. Sobre os 10 passos, temos:

  1. Fazer de alimentos “in natura” a base da alimentação;
  2. Utilizar sal, açúcar, óleos e gorduras em pequenas quantidades;
  3. Limitar o consumo de alimentos processados;
  4. Evitar o consumo de ultra processados (presunto, salsicha, macarrão instantâneo, refrigerantes, biscoitos recheados, etc);
  5. Comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e se possível, com companhia;
  6. Fazer compras em locais que ofertem variedades de alimentos “in natura” ou minimamente processados;
  7. Desenvolver, exercitar e partilhar o ato de cozinhar;
  8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece;
  9. Dar preferência, se fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora;
  10. Ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais.

A ideia principal é: descasque mais e desembale menos.

E justamente esses apontamentos do Guia foram colocados em xeque por ali conter uma proposta que vai diametralmente no oposto das indústrias de alimentos que hegemonizam a vida de uma parcela considerável da sociedade brasileira. Quem aqui tem tempo ou condições materiais para colocar em prática todos os pontos destacados? E é por isso que o Guia marca um posicionamento político voltado a chamada “segurança alimentar e nutricional” fazendo com que ele entre em rota de colisão com o atual governo e o Agronegócio.

Outro elemento que nos chama a atenção e é de vital interesse para essas esferas de poder citadas que seja revisto no documento, são as defesas por uma alimentação de base predominantemente vegetal, o que suscita a diminuição do consumo de carne. É sabido como o incentivo a cada vez mais refeições dessa qualidade implica também na utilização mais sustentável do solo, uso adequado de água, redução de gases estufa e diminuição do desmatamento decorrente da criação de novas áreas. Ou como cita o próprio Guia “um sistema alimentar socialmente mais justo e menos estressante para o ambiente físico, para os animais e para a biodiversidade em geral”.

E o que o MAPA, citado inicialmente, tem a ver com isso? Foi exatamente essa pasta que direcionou uma nota técnica ao Ministério da Saúde na última semana propondo uma reformulação do Guia Alimentar, desqualificando toda os critérios utilizados pelo manual para determinar se um alimento seria ou não ultra processado. E quem faz coro com o MAPA?  A Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos – ABIA, que também defende que o Guia seja revisto.

Entende agora quando você vê escrito ou escuta que “comer é um ato político”? É sobre políticas básicas de manutenção de saúde da população brasileira que estamos falando. É sobre a luta e resistência de pequenos agricultores espalhados pelo país que vemos um conglomerado empresarial se levantando. É sobre o direito à vida! O agro não é tech. Ele é morte.

Texto elaborado pela professora colaboradora Ingrid da Silva Linhares


ASSINE O MANIFESTO EM DEFESA DO GUIA ALIMENTAR PARA A POPULAÇÃO BRASILEIRA: https://alimentacaosaudavel.org.br/manifesto-guia-alimentar/ 


BAIXE O GUIA ALIMENTAR COMPLETO EM PDF NO SEGUINTE LINK: Ministério da Saúde - Guia Alimentar - 2014


FONTES:

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-22/salles-ve-oportunidade-com-coronavirus-para-passar-de-boiada-desregulacao-da-protecao-ao-meio-ambiente.html

 

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf

 

https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,agricultura-pede-a-saude-retirada-de-criticas-a-alimentos-industrializados-em-guia,70003441793

 

https://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2020/09/industria-e-engenharia-de-alimentos-apoiam-revisao-do-guia-alimentar.html