sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Relato da VII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária da Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo (FFP-UERJ) - 2020

 

       Nos dias 20 e 23 de outubro de 2020, o GeoAgrária, em articulação com o Departamento de Geografia da FFP-UERJ e o Núcleo de Pesquisa e Extensão Vozes da Educação, realizou a VII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária (JURA) da Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo (FFP-UERJ). Com o tema "Semeando Resistências sob fogo cruzado", a jornada foi dividida em quatro rodas de conversa e duas mesas redondas realizadas, pela primeira vez, exclusivamente em ambiente virtual, em decorrência da situação de isolamento social em razão da pandemia de Covid-19.

        A JURA (Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária) nasceu do encontro de professores universitários com o MST em 2013 com a proposta de que, em abril de 2014, as universidades promovessem eventos para debater debater temas da Reforma Agrária, com o objetivo de pautar e difundir o debate da Reforma Agrária no meio acadêmico, fortalecendo a luta pela terra e a relação entre os movimentos sociais e universidades brasileiras. 

        A JURA vem sendo realizada desde 2014 por muitas universidades em todo o Brasil e a Faculdade de Formação de Professores de São Gonçalo (FFP-UERJ) participa da Jornada desde a sua primeira edição. A Jornada integra as manifestações do chamado Abril Vermelho, que é uma jornada de lutas do MST pela Reforma Agrária e recebeu esse nome em homenagem aos vinte e um Sem Terras que foram executados pela Polícia Militar do Pará no dia 17 de abril de 1996, no município de Eldorado do Carajás (Pará), fato conhecido como o Massacre de Eldorado dos Carajás. 

        Com o tema "Semeando resistências sob fogo cruzado", debatemos as tensões e enfrentamentos aos desafios da atualidade, em que há um acirramento do fogo da violência no campo ao mesmo tempo em que o fogo vem devastando as matas do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia. O intuito da Jornada é semear a resistência entendo-a como uma maneira de persistir na luta pela reforma agrária. 

        Na imagem abaixo é apresentada a programação geral do JURA FFP 2020. 



      Na manhã do dia 20 de outubro de 2020, primeiro dia da Jornada, realizamos duas rodas de conversa em duas salas virtuais distintas. As rodas de conversa tiveram inscrição prévia e os inscritos receberam o endereço de acesso às salas virtuais trinta minutos antes do início da atividade.  

        Na roda de conversa "Deserto Verde, uma narrativa a ser contada", os professores da rede municipal de Mesquita-RJ, Thiago Lucas Alves da Silva (doutor em Geografia pela UFF e professor colaborador do GeoAgrária) e Débora Ventura Klayn Nascimento (doutoranda no Programa Interdisciplinar de Linguística Aplicada na UFRJ) debateram a respeito da violação de direitos e os impactos ambientais dos monocultivos de árvores, bem como a sua introdução no estado do Rio de Janeiro. Essa roda de conversa foi mediada pelos alunos Leonam Bonato da Silva e Roberta da Costa Lines, mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Geografia da FFP-UERJ e integrantes do GeoAgrária.


        Na roda de conversa "Educação do Campo sob fogo cruzado", a professora Tássia Gabriele Balbi de Figueiredo e Cordeiro (IFF), doutoranda do Programa de Políticas Públicas e Formação Humana na UERJ e professora colaboradora do GeoAgrária, apresentou os desafios enfrentados pela Educação do Campo, tendo como abordagem central a compreensão da ofensiva do agronegócio na educação, por meio de projetos educacionais e parcerias público-privadas, e do processo de fechamento e nucleação de escolas rurais. Essa roda de conversa foi mediada pela professora Ingrid da Silva Linhares, mestranda em História Social do Programa de Pós-Graduação em História na UFF e professora colaboradora do GeoAgrária. 


          Na parte da tarde, foi realizada a mesa de abertura com o tema que deu nome ao evento: "Semeando Resistências sob fogo cruzado", com a participação do professor Dr. Fernando Michelotti, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e da militante Natalina Silva de Oliveira Mendes, coordenadora geral da Regional Corumbá (Pantanal), da Rede de Mulheres Produtoras do Cerrado e do Pantanal (CerraPan). 

              Nessa mesa, o professor dr. Fernando Michelotti, que pesquisa a questão agrária na Amazônia, discorreu sobre o pacto conservador entre os donos do dinheiro, os donos da terra e o Estado que se materializam nesse contexto como um pacto do agronegócio e falou mais especificamente de como esse pacto se configura na Amazônia. 


VII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária da UERJ-FFP

 


          Nos dias 20 e 23 de outubro será realizada a VII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária da FFP-UERJ. Contaremos com duas mesas e quatro rodas de conversa com temáticas relevantes para o contexto rural brasileiro. Esse ano o evento será totalmente virtual. As mesas de abertura e encerramento serão transmitidas pelo canal do YouTube do Departamento de Geografia da UERJ-FFP e as rodas de conversa, que terão participação condicionada à inscrição prévia, serão realizadas em salas abertas apenas a inscritos cujos links serão enviados por e-mail minutos antes das atividades.



        As mesas de abertura e encerramento, serão transmitidas pelo canal do youtube do Departamento de Geografia da UERJ-FFP através do  link: https://www.youtube.com/channel/UC9XKuGE9pHSSm_-rirfwDaQ 

        As listas de presença das mesas serão divulgadas através do chat durante a transmissão do evento. Não esqueçam de assinar! 

Ajudem-nos a divulgar o evento! 

Sigam nosso Instagram para saber mais detalhes: https://www.instagram.com/geoagrariaffp/

Esperamos vocês! 

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

A POLÊMICA EM TORNO DO GUIA ALIMENTAR PARA A POPULAÇÃO BRASILEIRA

Nas últimas semanas vimos o despontar de mais uma das tantas tentativas de se “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas” que nos avisou o atual Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na fatídica reunião do dia 22 de abril de 2020. A polêmica envolvida dessa vez foi puxada pela Ministra Tereza Cristina, responsável pela pasta do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil (MAPA) e uma nota técnica enviada ao Ministério da Saúde para mudanças no Guia Alimentar para a População Brasileira, articulado ainda no primeiro Governo Dilma Rousseff.

Baseado em estudos de instituições como as Nações Unidas e a Universidade de Harvard, ele foi pensado para defender o consumo de alimentos frescos ou pouco processados e também das tradições culturais do país (cada país tem o seu guia baseado no perfil populacional e cultura). A ideia é que ele seja atualizado de tempos em tempos por meio do avanço das pesquisas científicas que balizam estudos sobre alimentação e saúde. Assim, o Ministério da Saúde em conjunto com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) e o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (NUPENS) da Universidade de São Paulo (USP), elaboraram o documento em fins de 2014.

Pensando nas dimensões continentais e nas desigualdades que permeiam o território nacional, ele tenta se aproximar do que seria ideal para manutenção da saúde, cultura e vida social brasileira.

Foi divido em 5 capítulos: ‘Princípios’, ‘A escolha dos alimentos’, ‘Dos alimentos à refeição’, ‘O ato de comer e a comensalidade’, ‘A compreensão e a superação de obstáculos’, e uma seção final de ‘Dez passos para uma alimentação adequada e saudável'. Sobre os 10 passos, temos:

  1. Fazer de alimentos “in natura” a base da alimentação;
  2. Utilizar sal, açúcar, óleos e gorduras em pequenas quantidades;
  3. Limitar o consumo de alimentos processados;
  4. Evitar o consumo de ultra processados (presunto, salsicha, macarrão instantâneo, refrigerantes, biscoitos recheados, etc);
  5. Comer com regularidade e atenção, em ambientes apropriados e se possível, com companhia;
  6. Fazer compras em locais que ofertem variedades de alimentos “in natura” ou minimamente processados;
  7. Desenvolver, exercitar e partilhar o ato de cozinhar;
  8. Planejar o uso do tempo para dar à alimentação o espaço que ela merece;
  9. Dar preferência, se fora de casa, a locais que servem refeições feitas na hora;
  10. Ser crítico quanto a informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais.

A ideia principal é: descasque mais e desembale menos.

E justamente esses apontamentos do Guia foram colocados em xeque por ali conter uma proposta que vai diametralmente no oposto das indústrias de alimentos que hegemonizam a vida de uma parcela considerável da sociedade brasileira. Quem aqui tem tempo ou condições materiais para colocar em prática todos os pontos destacados? E é por isso que o Guia marca um posicionamento político voltado a chamada “segurança alimentar e nutricional” fazendo com que ele entre em rota de colisão com o atual governo e o Agronegócio.

Outro elemento que nos chama a atenção e é de vital interesse para essas esferas de poder citadas que seja revisto no documento, são as defesas por uma alimentação de base predominantemente vegetal, o que suscita a diminuição do consumo de carne. É sabido como o incentivo a cada vez mais refeições dessa qualidade implica também na utilização mais sustentável do solo, uso adequado de água, redução de gases estufa e diminuição do desmatamento decorrente da criação de novas áreas. Ou como cita o próprio Guia “um sistema alimentar socialmente mais justo e menos estressante para o ambiente físico, para os animais e para a biodiversidade em geral”.

E o que o MAPA, citado inicialmente, tem a ver com isso? Foi exatamente essa pasta que direcionou uma nota técnica ao Ministério da Saúde na última semana propondo uma reformulação do Guia Alimentar, desqualificando toda os critérios utilizados pelo manual para determinar se um alimento seria ou não ultra processado. E quem faz coro com o MAPA?  A Associação Brasileira das Indústrias de Alimentos – ABIA, que também defende que o Guia seja revisto.

Entende agora quando você vê escrito ou escuta que “comer é um ato político”? É sobre políticas básicas de manutenção de saúde da população brasileira que estamos falando. É sobre a luta e resistência de pequenos agricultores espalhados pelo país que vemos um conglomerado empresarial se levantando. É sobre o direito à vida! O agro não é tech. Ele é morte.

Texto elaborado pela professora colaboradora Ingrid da Silva Linhares


ASSINE O MANIFESTO EM DEFESA DO GUIA ALIMENTAR PARA A POPULAÇÃO BRASILEIRA: https://alimentacaosaudavel.org.br/manifesto-guia-alimentar/ 


BAIXE O GUIA ALIMENTAR COMPLETO EM PDF NO SEGUINTE LINK: Ministério da Saúde - Guia Alimentar - 2014


FONTES:

https://brasil.elpais.com/brasil/2020-05-22/salles-ve-oportunidade-com-coronavirus-para-passar-de-boiada-desregulacao-da-protecao-ao-meio-ambiente.html

 

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf

 

https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,agricultura-pede-a-saude-retirada-de-criticas-a-alimentos-industrializados-em-guia,70003441793

 

https://revistagloborural.globo.com/Noticias/noticia/2020/09/industria-e-engenharia-de-alimentos-apoiam-revisao-do-guia-alimentar.html

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Podcast do Programa "Ecoando resistências" da "Amigos da Terra" sobre a farsa das doações empresariais no combate à Covid-19


Ecoando Resistências - o programa de rádio da Amigos da Terra Brasil

No 5º episódio do programa foi abordada a farsa das doações no combate ao coronavírus por parte das empresas produtoras de celulose, do agronegócio, exploradoras de petróleo e mineração no Brasil, a chamada "Solidariedade S. A". As denúncias são construídas a partir de uma carta assinada por mais de 50 organizações, dentre as quais o GeoAgrária.

Participam desse podcast:
* Eduardo Raguse, da AMA Guaíba (Amigos do Meio Ambiente), que conta como a empresa CMPC Celulose tem impactado a saúde dos moradores do município de Guaíba (RS);
* Lizzie Díaz, da WRM, que conta como a narrativa positiva das empresas não condiz com as práticas violadoras de direitos que se replicam de forma similar em diferentes países, especialmente no sul global.
* Algemiro da Silva Karai Mirim, da aldeia guarani Sapukai, em Angra do Reis e Eva Rete Mimbi Benite, indígena da região de Parati, que apresentam a realidade de seus territórios, que encaram problemas básicos em meio à pandemia, como a falta de saneamento e dificuldades de manter medidas de prevenção como o isolamento social;
* A pesquisadora Valéria Fernandes, que explica o fenômeno das nuvens de gafanhotos sob uma perspectiva histórica na relação de migração dos insetos para além das fronteiras na região no quadro "Absurdo da Vez";
* Mikaela Coelho do coletivo Poetas Vivos, no "Momento Cultural".

Escolha a plataforma preferida para ouvir o podcast: 

segunda-feira, 27 de julho de 2020

A farsa das doações no combate à Covid-19 nos setores de plantações de monoculturas de árvores, agronegócio, petróleo e mineração no Brasil

O Brasil atravessa, hoje, uma crise sem precedentes em questão de saúde e economia. Somos um dos epicentros da Covid-19 no mundo e o número de mortos beira aos 83 mil casos. Milhares estão em luto e outros milhares ainda lutam por sobrevivência nessas condições. Em meio a isso, empresas de diferentes setores se apropriam do momento para fortalecer uma falsa solidariedade com doações que aparentam retorno social, mas são, de fato, fortalecedores da imagem de suas marcas com propaganda positiva, enquanto recebem benefícios do Estado.

A crise sanitária mundial evidenciou as crises social, econômica, ambiental e espiritual. Esse modelo hegemônico de sociedade capitalista revela que não é capaz de assegurar a manutenção de todos os seres no planeta, muito menos preservar a espécie humana e suas culturas. Este processo tem acirrado as desigualdades de gênero, raça e classe, pilares fundamentais para a crescente concentração de riqueza através da exploração da natureza e das pessoas.

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) expôs a atitude genocida do presidente do Brasil. A crueldade de Bolsonaro, com seu “E dai?” para as mortes pela doença, seguido por seus asseclas na banalização do sofrimento de milhares de pessoas, sobretudo as que necessitam do Sistema Único de Saúde (SUS). A falta de investimento no Sistema se aprofundou com o desmonte promovido a partir da PEC do Teto de Gastos e, hoje, com o surto da doença se verifica que os cortes foram maiores do que se pensava. Muitas famílias estão perdendo entes queridos sem sequer contar com assistência médica. O próprio setor da saúde está sofrendo com a contaminação pela falta de equipamentos de proteção individual (EPI) e estrutura adequada ao tratamento dos doentes. Soma-se a essa realidade o fato de muitas pessoas perderem sua fonte de renda e necessitam de alimentos e produtos básicos de sobrevivência. Uma situação deplorável num país com muitos problemas sociais.

O enfraquecimento do sistema público de saúde e de seguridade social, a perda dos direitos trabalhistas e a precariedade do emprego são alguns dos “progressos” anunciados pelo Governo Federal. No contexto da crise sanitária, a defesa pela manutenção de serviços públicos essenciais à vida tornou-se uma tarefa ainda mais difícil em uma conjuntura de ataques à democracia, com o avanço do fascismo, o racismo institucional e estrutural ainda mais aflorado, e o fortalecimento de grandes empresas sobre os territórios.

Dado o contexto, verifica-se que a lista de crueldades não para de crescer. A mídia hegemônica e portais de notícias fazem propaganda de doações de materiais e estruturas feitas por empresas para o enfrentamento do Covid-19. Destacamos aqui as empresas de papel e celulose como Suzano, CMPC e Veracel (Stora Enso). Em horário nobre, a Rede Globo exibe a campanha “Solidariedade S.A.” que destaca ações realizadas por diferentes empresas transnacionais -- o termo se refere a empresas que possuem matriz em seu país de origem (majoritariamente no norte global) e atuam visando o lucro, com uso de mão de obra barata, em outros países através da instalação de filiais. Um dos casos é a CMPC, que obteve lucro líquido de R$ 962,5 milhões em 2019, no município de Guaíba (RS). A plantação para produção de celulose da empresa registrou o primeiro quadro da doença na cidade. Nesse ano, o grupo doou R$ 70 milhões através da empresa Softys para ações de combate ao Covid-193, o qual representa apenas 7% dos ganhos líquidos da corporação em relação à 2019.

No entanto, as matérias não citam que a essas mesmas empresas foi concedido o direito de renegociar suas dívidas com o Estado brasileiro ainda no início da pandemia no Brasil. Foram realizados generosos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) às companhias (como Suzano que já recebeu mais de R$ 6 bilhões em dinheiro público). Isso demonstra como as empresas se utilizam de momentos de crise para amplificar pequenas ações de retorno social, fortalecendo suas marcas com propaganda positiva e, ainda, receber mais benefícios do Estado.

É importante registrar semelhante indignação ao Governo Bolsonaro, que em um contexto sem precedentes, faz movimento nenhum na direção de aplicar recursos do BNDES, em benefício da sociedade. As populações são deixadas ao acaso, enquanto recursos poderiam ser aplicados no acesso à alimentos essenciais e ações que dessem condições de atravessar tal momento sem o risco de exposição ao vírus para as/os trabalhadoras/es e as suas famílias. Nesse cenário, as famílias recebem o benefício do bolsa família, desempregados e autônomos recebem o Auxílio Emergencial de R$600,00, tendo a possibilidade de o benefício se converter em R$ 300,00 até agosto. Benefício repassado de forma desordenada e que acarretou em irregularidades a 620 mil pessoas com rendas acima do limite — renda, por pessoa, de até meio salário mínimo (R$ 522,50) ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos (R$ 3.135) —, fraude que pode gerar ainda R$1 bilhão em prejuízo para os cofres da União.

A isenção de impostos sobre exportações das grandes empresas produtoras de celulose, de setores do agronegócio, da mineração e de outros campos da economia através da Lei Kandir, além de provocar conflito entre municípios, estados e União, gerou ainda mais precarização para o povo e seu território. Isso levou a uma situação em que, na prática, governos estaduais se tornaram reféns das companhias, cujos proprietários seguem enriquecendo. Hoje, estados devem muitos milhões aos empresários, enquanto não conseguem garantir serviços públicos, como o direito de assistência à saúde.

Se não fosse o bastante, essas empresas diariamente violam os direitos das comunidades, ignoram legislações e fiscalizações ambientais e trabalhistas nas fábricas e plantações. Privatizam e comercializam a natureza, deixando a cargo do Estado todos os danos ambientais. Além disso, em muitos casos as plantas das indústrias estão encravadas no meio das cidades, deixando assim as populações expostas à poluição atmosférica. Dessa forma, contribuem para a fragilização do sistema respiratório, deixando a saúde destas populações em situação vulnerável neste momento de enfrentamento à pandemia, sobrecarregando ainda mais o SUS. A ação criminosa das empresas violadoras de direitos atua com o aval do atual governo bolsonarista, do qual Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, favorece a mudança das regras ambientais enquanto os holofotes estão na
pandemia. Nas palavras dele, o momento é de “ir passando a boiada”.

Às transnacionais são concedidos excepcionais poderes e privilégios para manter seus volumosos lucros em toda a cadeia de produção. No Brasil, os setores do agronegócio e da mineração foram considerados atividades essenciais durante a quarentena, não permitindo que trabalhadoras/es desses segmentos pudessem parar e praticar o distanciamento social (medida essencial para minimizar a propagação do vírus), contribuindo com o alto índice de letalidade em comunidades indígenas e quilombolas. É nesse contexto que fábricas de papel e celulose, assim como as plantações de monoculturas de árvores (que causam inúmeros impactos ao território de povos e comunidades tradicionais e ao meio ambiente), seguem normalmente as suas atividades, garantindo o aumento dos ganhos e anúncio de boas perspectivas para o setor. Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo (2020), o presidente da Suzano, Walter Schalka, afirmou: “Devemos aproveitar esse momento, usar a crise como oportunidade. Queria convidar o Executivo e o Legislativo para redesenharmos sistemas tão fundamentais do Brasil, com as reformas administrativa e tributária. Esse é um momento que podemos fazer a transformação acontecer e sairmos melhor na frente. Grande parte das empresas tem uma ação de redução de gastos. É o momento de o governo fazer isso e dar um salto de produtividade. Não devemos deixar para 2021”.

A exploração de petróleo também não parou durante a pandemia. O Covid-19 se espalha por plataformas petrolíferas no país. A Petrobras, produtora brasileira que explora alguns dos maiores offshore encontrados, está enfrentando um surto de Covid-19 em plataformas de extração. A empresa paralisou as operações de duas plataformas de petróleo, após a contaminação de trabalhadores pela Covid-19. As duas unidades pertencem a companhias estrangeiras e estão alugadas à Petrobras. O FPSO Capixaba, da holandesa SBM Offshore, está no campo de Cachalote, no litoral sul do Espírito Santo e o FPSO Cidade de Santos, da japonesa Modec, produz nos campos de Tambaú e Uruguá, no litoral do Rio de Janeiro. Segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), haviam 47 casos confirmados entre os tripulantes das unidades até abril. Também, no projeto de exploração de Xareu, na costa do Ceará, 42 dos 45 funcionários em duas plataformas apresentaram resultados positivos para a doença.

Os grandes conglomerados transformam-se em fortes transgressores de direitos nesse delicado momento de pandemia. Um exemplo é a multimilionária JBS, que teve a fábrica interditada em Passo Fundo (RS), após se tornar foco de infecção por Covid-19. A empresa não implementou medidas de segurança e manteve os trabalhadores expostos à aglomeração nos espaços de trabalho, sem fornecer materiais de proteção. Em contrapartida, a companhia doou R$ 400 milhões para o enfrentamento do novo coronavírus no Brasil. Outro exemplo é a Vale, que não paralisou suas atividades diante da doença, colocando a saúde de seus funcionários e das cidades mineradas em risco. Só no complexo minerador em Itabira (MG), quase 200 trabalhadores próprios e terceirizados testaram positivo para o vírus. Para tentar limpar a sua imagem, a multinacional doou R$500,00 milhões para aquisição de EPIs e testes rápidos, enquanto nos municípios onde atua, a população vê o quadro de saúde piorar. Por sua vez, a mineradora Nexa, ligada ao Grupo Votorantim, escondeu ocorrências da doença entre operários. Casos como esses levantam a dúvida sobre quantas empresas mais estariam omitindo casos dos seus empregados.

Em todo o país, ações de solidariedade, mobilizadas por organizações e movimentos sociais, buscam minimizar os impactos da Covid-19 nas populações mais vulneráveis, principalmente em relação à alimentação e saneamento básico. Um papel do Estado que, seguindo a perspectiva neoliberal, se exime da sua responsabilidade. Podemos citar os trabalhadores Sem Terra e petroleiros que se uniram para doar alimentos e gás de cozinha em Curitiba (PR)13, assim como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que propôs uma série de medidas para proteger a vida dos trabalhadores e trabalhadoras do país, pautando a isenção de tarifas de serviços essenciais14. Diversas frentes de solidariedade atuam onde o Estado não chega. A exemplo, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), doando mais de 6 toneladas de alimentos para periferias de Porto Alegre (RS); a Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA), em Guaíba (RS), a qual mobiliza doações para comunidades indígenas ameaçadas pela mineração; o Comitê Gaúcho de Emergência de Combate à Fome, que é responsável por mobilizar doações a quem mais precisa e recomendações para combater a carência de comida, tais como a continuidade do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e a compra de alimentos produzidos por agricultores familiares para cestas básicas; e, ainda, o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que doou cerca de 3 toneladas de alimentos na região Norte e Metropolitana do Rio Grande do Sul (RS), a Frente Quilombola, em articulação com os quilombos urbanos de Porto Alegre e outras entidades mobilizou aproximadamente 30 toneladas de alimentos, itens de higiene e limpeza, tecidos para confecção de máscaras, permitindo mitigar os impactos sobre os corpos e territórios, e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu que em quatro estado as mulheres atuaram na distribuição de cestas básicas e kits, atendendo mais de 2000 famílias.

Essas redes de apoio articuladas entre as diferentes organizações e movimentos sociais têm conectado campo e cidade na compra, transporte e destino de mantimentos. Tal rede de solidariedade, associada à luta por políticas públicas e garantias de direitos, como acesso à água, renda básica, tarifa social de energia e água são direitos essenciais a vida dos povos. A defesa da soberania dos povos e de seus territórios constrói caminhos e alternativas populares para enfrentar a pandemia do sistema capitalista.

Dada a situação dramática em que vivem as comunidades mais vulneráveis, afetadas pelo novo coronavírus, vimos cobrar a responsabilidade das autoridades públicas quanto condições de vida e de saúde dignas aos afetados pela Covid-19. Da mesma forma, repudiamos as empresas que seguem destruindo a natureza e as populações e que se aproveitam dessa situação para fazer marketing "humanitário" e "verde", através de doações, que mais servem para lavar sua verdadeira imagem perversa e sua condição de beneficiárias de recursos públicos e incentivos governamentais, para continuar se apropriando de territórios, exaurindo seus recursos naturais e destruindo sua sociobiodiversidade. 

Assinam esta carta:

Amigos da Terra Brasil - ATBr
Amigos do Meio Ambiente - AMA Guaíba/RS
Articulação Rosalino Gomes de Povos e Comunidades Tradicionais
Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do RS - APEDeMA/RS
Associação Brasileira de Agroecologia - ABA
Associação Cultural Grupo Afrolaje - A.C.G.A
Associação dos Geógrafos Brasileiros - AGB
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural - AGAPAN/RS
Associação Ijuiense de Proteção ao Ambiente Natural
Campanha Nenhum Poço a Mais
Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Centro de Defesa de Direitos Humanos de Serra/ES - CDDH
Centro de Estudos Ambientais - CEA/RS
Coletivo de Educadorxs Negrxs e Indígenas de Duque de Caxias
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Comitê de Combate à Megamineração no RS - CCM/RS
Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa
Comitê Popular de Proteção aos Direitos Humanos no contexto do COVID-19
Conselho Indigenista Missionário - Cimi
Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ
FASE - ES
Fórum Carajás
Fórum da Amazônia Oriental - Faor
Frente Quilombola
Grupo de Estudos e Pesquisas em Interculturalidade e Economias do Sul - GEPIES
Grupo de Estudos, Pesquisa e Extensão em Geografia Agrária da FFP-UERJ - GeoAgrária
Grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiental e Sociedade - PoEMAS
Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas - GESP/RS
Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais - InGá/RS
Instituto MIRA-SERRA/RS
Instituto Permacultura Lab
Marcha Mundial das Mulheres Brasil - MMM
Movimento de Luta pela Terra - MLT
Movimento de Mulheres Camponesas - MMC
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA
Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra - MST
Movimento Geraizeiro
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu - MIQCB
Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais - WRM
Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH
Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM
Movimento Roessler para Defesa Ambiental
Observatório de Políticas e Ambiente - ObservaCampos!
Rede Alerta Contra o Deserto Verde
Rede Carioca de Agricultura Urbana - CAU
Rede Sociotecnica do Alto Rio Pardo
Sempreviva Organização Feminista - SOF
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Urbano Santos
Terra de Direitos
União Pedritense de Proteção ao Ambiente Natural - UPPAN/RS
Via Campesina Brasil