Texto produzido pelo Grupo de Assuntos Agrários da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seções Rio de Janeiro e Niterói – GT Agrária/AGB¹
O Norte Fluminense está produzindo soja. Os municípios de Macaé e Campos dos Goytacazes registraram, nos últimos anos, plantações de soja em algumas fazendas da região. A cultura, que parecia distante do Norte Fluminense, agora figura como uma “bombástica” novidade para o desenvolvimento local². O Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da Associação dos Geógrafos(as) Brasileiros(as) - Seções Locais Rio de Janeiro e Niterói - esteve em campo para pesquisar a situação e, a partir da análise de documentos e de conversas com os atores envolvidos no processo, chegou ao seguinte diagnóstico.
A produção da soja no Norte Fluminense é um sonho antigo de alguns agrônomos e técnicos agrícolas da região: em 1985, ocorreu o primeiro teste de viabilidade para o plantio da leguminosa encabeçado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do estado do Rio de Janeiro (Pesagro) (BATISTA, 2022). Não é novidade que, nesse primeiro momento, o plantio da soja não tenha passado de uma tentativa. Entretanto, em meados de 2017, uma nova articulação foi iniciada com maior sucesso e, atualmente, foi constatado que a soja está sendo produzida em duas fazendas em Macaé (Fazenda Saudade e Fazenda do Vulim) e em três fazendas em Campos dos Goytacazes (Fazenda Santa Cruz, Fazenda Santa Helena e Fazenda Santa Clara). O incremento da transgenia, o Porto do Açu e a atuação de empresas transnacionais se apresentam como fatores chaves para a chegada da soja no Norte Fluminense. Além disso, destaca-se, também, a tradicional aliança do Estado com os grandes produtores rurais da região.
O Porto do Açu, segundo relatos, foi fundamental para viabilizar o plantio da soja. As primeiras colheitas do grão foram exportadas via Porto de Santos, o que encarecia o frete do escoamento e, consequentemente, reduzia as margens de lucro dos produtores. Com a construção de um silo no Porto do Açu, a poucos quilômetros de distância das fazendas, os produtores passaram a ter uma rede logística melhor do que o Centro-Oeste brasileiro³ que é o principal polo produtor de soja do país. Nos últimos anos, a soja fluminense foi exportada em direção à Europa, via Porto do Açu, em seis oportunidades que totalizaram um montante de 180 mil toneladas do grão.
Nas visitas realizadas às fazendas, descobriu-se que a soja é plantada a partir de sementes geneticamente modificadas que propiciam o crescimento dessa espécie exógena. Assim, a partir do uso de sementes transgênicas, dificuldades, que anteriormente eram limitadoras da produção, como a característica climática da região e as “pragas”, hoje são contornadas com maior facilidade. O que aparentemente é uma solução para os produtores, é motivo de muita preocupação para os autores deste relato.
Em primeiro plano, a utilização de sementes transgênicas, compradas anualmente de empresas transnacionais, revela a condição de subordinação a que o espaço agrário fluminense se sujeita. Ao invés do uso da terra ser destinado à produção alimentícia e à preservação bio/cultural, está se destinando seu uso à produção de uma leguminosa que não alimenta nenhum cidadão brasileiro e, tudo isso, às custas de bens comuns como a água e o solo. E, ainda, uma segunda questão se apresenta: a transgenia permite o uso indiscriminado de agrotóxicos que vão parar nos alimentos do povo fluminense. Em uma visita realizada a uma das fazendas citadas, foi informado que a aplicação de glifosato (agrotóxico indicado como “possivelmente cancerígeno” pela OMS) estava no rol de práticas dos produtores, momentos mais tarde, ao visitar a área de plantio, observou-se a presença de um córrego a poucos metros da plantação.
A contaminação por agrotóxicos dos rios e lençóis freáticos é um grave problema de saúde pública, entretanto, segundo os produtores, os órgãos responsáveis estão sempre em prontidão para “liberar” qualquer agrotóxico que seja necessário. Além disso, outra situação que chama bastante atenção é a presença da Fazenda Santa Cruz entre as fazendas produtoras de soja da região. Anteriormente, a Usina Santa Cruz tinha sua produção voltada para a cana de açúcar e ao declarar falência, a mais de 25 anos atrás, deixou vários trabalhadores sem rescisão e direitos trabalhistas. As terras da fazenda, entretanto, seguem sob o controle dos grandes proprietários (agora a família “Pretyman”) que mantêm os seus lucros através da produção de comodities agrícolas. Em contrapartida, quando famílias do MST fizeram uma ocupação na Fazenda Santa Luzia para reivindicar a desapropriação das terras por conta de dívidas milionárias dos proprietários com a união, a resposta do governador Cláudio Castro foi rápida: mais de 100 policiais foram mobilizados para reprimir as famílias em luta por uma causa digna.
Entende-se, portanto, a soja como uma nova aposta dos latifundiários do estado do Rio de Janeiro para perpetuar o monopólio sobre a terra no estado. Apesar da falência generalizada das usinas sucroalcooleiras nos anos 1990, a maioria das terras permaneceu sob o controle de seus donos e agora estes identificam na soja a oportunidade de uma nova rodada de exploração (da terra, do povo, dos ecossistemas). Enquanto isso, nas poucas terras que foram desapropriadas para fins de reforma agrária e criados assentamentos rurais há a recuperação de áreas degradadas e um alto volume de alimentos produzidos, ainda que com poucos recursos e escasso apoio do Estado.
1 - Participaram da elaboração deste texto: Ana Costa, Daniel Macedo, Gustavo Coelho, Paulo Alentejano, Pedro Michelotti e Tássia Cordeiro.
2 - Em post do Instagram, a Prefeitura de Macaé comemora a exportação da soja para a Rússia. Disponível em: https: //www.instagram.com/reel/DHlcuceMoQ2/?igsh=MWh6aWp2dnkwNTc1eQ%3D%3D
3 - José Geraldo Junior: “Você vende uma soja lá em Goiás a R$125, mas tem R$10 de frete. Aqui você vende a R$125 aqui e é R$2 de frete”. Disponível em: https://www.folha1.com.br/economia/2025/04/1307057-campos-se-destaca-como-maior-produtor-de-soja-do-interior-do-rj.html#
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