quarta-feira, 4 de junho de 2025

Soja no Norte Fluminense – a nova aposta do latifúndio para a perpetuação do monopólio da terra no estado do Rio de Janeiro

Texto produzido pelo  Grupo de Assuntos Agrários da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seções Rio de Janeiro e Niterói – GT Agrária/AGB¹

O Norte Fluminense está produzindo soja. Os municípios de Macaé e Campos dos Goytacazes registraram, nos últimos anos, plantações de soja em algumas fazendas da região. A cultura, que parecia distante do Norte Fluminense, agora figura como uma “bombástica” novidade para o desenvolvimento local². O Grupo de Trabalho de Assuntos Agrários da Associação dos Geógrafos(as) Brasileiros(as) - Seções Locais Rio de Janeiro e Niterói - esteve em campo para pesquisar a situação e, a partir da análise de documentos e de conversas com os atores envolvidos no processo, chegou ao seguinte diagnóstico.

A produção da soja no Norte Fluminense é um sonho antigo de alguns agrônomos e técnicos agrícolas da região: em 1985, ocorreu o primeiro teste de viabilidade para o plantio da leguminosa encabeçado pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do estado do Rio de Janeiro (Pesagro) (BATISTA, 2022). Não é novidade que, nesse primeiro momento, o plantio da soja não tenha passado de uma tentativa. Entretanto, em meados de 2017, uma nova articulação foi iniciada com maior sucesso e, atualmente, foi constatado que a soja está sendo produzida em duas fazendas em Macaé (Fazenda Saudade e Fazenda do Vulim) e em três fazendas em Campos dos Goytacazes (Fazenda Santa Cruz, Fazenda Santa Helena e Fazenda Santa Clara). O incremento da transgenia, o Porto do Açu e a atuação de empresas transnacionais se apresentam como fatores chaves para a chegada da soja no Norte Fluminense. Além disso, destaca-se, também, a tradicional aliança do Estado com os grandes produtores rurais da região.

O Porto do Açu, segundo relatos, foi fundamental para viabilizar o plantio da soja. As primeiras colheitas do grão foram exportadas via Porto de Santos, o que encarecia o frete do escoamento e, consequentemente, reduzia as margens de lucro dos produtores. Com a construção de um silo no Porto do Açu, a poucos quilômetros de distância das fazendas, os produtores passaram a ter uma rede logística melhor do que o Centro-Oeste brasileiro³ que é o principal polo produtor de soja do país. Nos últimos anos, a soja fluminense foi exportada em direção à Europa, via Porto do Açu, em seis oportunidades que totalizaram um montante de 180 mil toneladas do grão.

Nas visitas realizadas às fazendas, descobriu-se que a soja é plantada a partir de sementes geneticamente modificadas que propiciam o crescimento dessa espécie exógena. Assim, a partir do uso de sementes transgênicas, dificuldades, que anteriormente eram limitadoras da produção, como a característica climática da região e as “pragas”, hoje são contornadas com maior facilidade. O que aparentemente é uma solução para os produtores, é motivo de muita preocupação para os autores deste relato.

Em primeiro plano, a utilização de sementes transgênicas, compradas anualmente de empresas transnacionais, revela a condição de subordinação a que o espaço agrário fluminense se sujeita. Ao invés do uso da terra ser destinado à produção alimentícia e à preservação bio/cultural, está se destinando seu uso à produção de uma leguminosa que não alimenta nenhum cidadão brasileiro e, tudo isso, às custas de bens comuns como a água e o solo. E, ainda, uma segunda questão se apresenta: a transgenia permite o uso indiscriminado de agrotóxicos que vão parar nos alimentos do povo fluminense. Em uma visita realizada a uma das fazendas citadas, foi informado que a aplicação de glifosato (agrotóxico indicado como “possivelmente cancerígeno” pela OMS) estava no rol de práticas dos produtores, momentos mais tarde, ao visitar a área de plantio, observou-se a presença de um córrego a poucos metros da plantação.

A contaminação por agrotóxicos dos rios e lençóis freáticos é um grave problema de saúde pública, entretanto, segundo os produtores, os órgãos responsáveis estão sempre em prontidão para “liberar” qualquer agrotóxico que seja necessário. Além disso, outra situação que chama bastante atenção é a presença da Fazenda Santa Cruz entre as fazendas produtoras de soja da região. Anteriormente, a Usina Santa Cruz tinha sua produção voltada para a cana de açúcar e ao declarar falência, a mais de 25 anos atrás, deixou vários trabalhadores sem rescisão e direitos trabalhistas. As terras da fazenda, entretanto, seguem sob o controle dos grandes proprietários (agora a família “Pretyman”) que mantêm os seus lucros através da produção de comodities agrícolas. Em contrapartida, quando famílias do MST fizeram uma ocupação na Fazenda Santa Luzia para reivindicar a desapropriação das terras por conta de dívidas milionárias dos proprietários com a união, a resposta do governador Cláudio Castro foi rápida: mais de 100 policiais foram mobilizados para reprimir as famílias em luta por uma causa digna.

Entende-se, portanto, a soja como uma nova aposta dos latifundiários do estado do Rio de Janeiro para perpetuar o monopólio sobre a terra no estado. Apesar da falência generalizada das usinas sucroalcooleiras nos anos 1990, a maioria das terras permaneceu sob o controle de seus donos e agora estes identificam na soja a oportunidade de uma nova rodada de exploração (da terra, do povo, dos ecossistemas). Enquanto isso, nas poucas terras que foram desapropriadas para fins de reforma agrária e criados assentamentos rurais há a recuperação de áreas degradadas e um alto volume de alimentos produzidos, ainda que com poucos recursos e escasso apoio do Estado.


1 - Participaram da elaboração deste texto: Ana Costa, Daniel Macedo, Gustavo Coelho, Paulo Alentejano, Pedro Michelotti e Tássia Cordeiro.

2 - Em post do Instagram, a Prefeitura de Macaé comemora a exportação da soja para a Rússia. Disponível em: https: //www.instagram.com/reel/DHlcuceMoQ2/?igsh=MWh6aWp2dnkwNTc1eQ%3D%3D

3 - José Geraldo Junior: “Você vende uma soja lá em Goiás a R$125, mas tem R$10 de frete. Aqui você vende a R$125 aqui e é R$2 de frete”. Disponível em: https://www.folha1.com.br/economia/2025/04/1307057-campos-se-destaca-como-maior-produtor-de-soja-do-interior-do-rj.html#

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Fotos das atividades do 3º dia da XII JURA da FFP (15/05/2025)

       Durante a XII Jornada Universitária em Defesa da Reforma Agrária na FFP houve a exposição de fotos importantes em homenagem à rica trajetória de vida da líder camponesa Elizabeth Teixeira que completou 100 anos esse ano e continua sendo ícone da defesa da Reforma Agrária Popular e da luta por justiça social para as trabalhadoras e os trabalhadores do campo.











        No último dia da jornada, 15 de maio de 2025, realizamos o trabalho de campo com o tema “Vale do Guapiaçu – Conflitos pela terra e pela água em Cachoeiras de Macacu”.
     O trabalho de campo teve início com a visita à antiga sede do Movimento dos Atingidos por Barragens em Cachoeiras de Macacu (MAB). Fomos recebidos por seu Dionísio, morador da região há muitos anos, que nos relatou a história da ocupação das terras no Vale do Guapiaçu e as diversas dificuldades enfrentadas e lutas travadas contra a construção da Barragem no Rio Guapiaçu. Sobre esse assunto, o GeoAgrária produziu um documentário que será divulgado em breve no Instagram e no blog.
    Em seguida, visitamos a Escola Municipal Colônia Agrícola Knust e fomos recebidos pela diretora/professora Aline, que nos relatou as dificuldades e desafios enfrentados pelos alunos e professores no Guapiaçu. A diretora também relatou que se a Barragem fosse construída, toda a área no entorno da escola seria alagada e a escola seria fechada. Sobre o fechamento de escolas no Guapiaçu, o ex-aluno da FFP e integrante do GeoAgrária, Denilson Inácio da Conceição, escreveu a monografia “O projeto de construção da barragem no rio Guapiaçu, em Cachoeiras de Macacu/RJ, seus impactos socioambientais e a relação com o fechamento de escolas rurais (2007/2018)”, que também será divulgada em breve no Instagram e no blog do GeoAgrária.
      Após a visita à escola, fomos conhecer o sítio agroecológico de seu Alzeir, que relatou suas vivências no sítio, inclusive com experimentações importantes e bem sucedidas na área da agroecologia e seus aprendizados ancestrais, principalmente com seu pai, que lhe repassou muitos dos conhecimentos que defende e implementa até os dias atuais.
     Como última atividade do campo, fomos conhecer o rio Guapiaçu e compreender as diversas dinâmicas e disputas envolvidas no conflito pelo uso da água em Cachoeiras de Macacu.





















Fotos das atividades do 2º dia da XII JURA da FFP (14/05/2025)

       O segundo dia da XII JURA da FFP começou com a mesa redonda "O agronegócio devasta, a luta semeia". Sob a coordenação do professor Otávio Leão (DGEO-FFP/UERJ), a mesa contou com a presença dos convidados Roberto Carlos de Oliveira (militante do MAB e mestre em História pela UFRRJ) e Karen Friedrich (doutora em Saúde Pública pela FIOCRUZ, servidora da FIOCRUZ e professora do Departamento e Saúde Coletiva da UFRJ). Apesar de começar cedo, a mesa redonda lotou o auditório do Bloco C da FFP.













      Às 14 horas foi realizada a roda de conversa "O agro aliena, a luta educa", sob a coordenação de Emilly Fegalo (aluna da graduação em Geografia da UERJ e integrante do GeoAgrária), Roberta Lines (mestre em Geografia pela FFP/UERJ, professora da rede municipal de Maricá e integrante do GeoAgrária) e Tássia Cordeiro (doutora em Políticas Públicas e Formação Humana pela UERJ, professora do IFF de Maricá e integrante do GeoAgrária).
       A roda de conversa debateu as estratégias econômicas, políticas e ideológicas de alienação do agronegócio e também apresentou as diferentes ações de luta e resistência do MST e de outros movimentos sociais do campo na área educacional. A atividade foi bastante proveitosa e contou com a participação de diversos alunos da FFP-UERJ.











    No mesmo horário, às 14 horas, também foi realizado o cinedebate "Elizabeth Teixeira: mulher marcada para viver", sob a coordenação do professor Eduardo Tomazine (DGEO-FFP/UERJ).
    Elizabeth Altina Teixeira, nascida em 13 de fevereiro de 1925 em Sapé (PB), é uma importante líder camponesa brasileira, reconhecida por sua incansável luta pela reforma agrária e pelos direitos dos trabalhadores rurais. Filha de uma família de pequenos proprietários de terra, casou-se com João Pedro Teixeira, um trabalhador rural negro e sem terra. Juntos, tornaram-se protagonistas das Ligas Camponesas na Paraíba, movimento que buscava combater as injustiças dos latifundiários e promover a distribuição de terras aos camponeses.
    Após o assassinato de João Pedro Teixeira em 1962, Elizabeth assumiu a liderança da Liga Camponesa de Sapé e passou a ser duramente perseguida, especialmente durante a ditadura empresarial-militar instaurada em 1964. Para se proteger, viveu por 17 anos na clandestinidade com o nome falso de Marta Maria da Costa, em São Rafael (RN), onde trabalhou como lavadeira e alfabetizadora. Em 1984, com a retomada do documentário Cabra Marcado para Morrer, ela pôde retomar sua verdadeira identidade.
      Em 2011, foi homenageada com a criação do Memorial das Ligas Camponesas, criado em sua antiga casa. Nas décadas seguintes, Elizabeth continuou atuando na defesa dos direitos dos camponeses e das camponesas, participando de eventos, palestras e colaborando com movimentos sociais e governamentais. Em 2011, a casa onde viveu com João Pedro foi tombada e transformada no Memorial das Ligas Camponesas, em Sapé.
      Em 2025, Elizabeth completou 100 anos, sendo celebrada como um ícone da resistência camponesa e permanece sendo sinônimo de coragem, resistência e compromisso com a justiça social no campo brasileiro.




        No dia 14 de maio, antes da mesa de encerramento, apresentamos a mística de encerramento com uma impactante intervenção poética intitulada "Semeadoras" e protagonizada por quatro artistas e alunas da FFP: Marleve, anagojie, Laryssa e Luna.









      Como última atividade do 2° dia da XII JURA da FFP foi realizada mesa de encerramento intitulada "O agronegócio mata, a luta cuida", com as convidadas Roberta Arruzzo (doutora em Geografia pela UFF, pesquisadora do NUCLAMB e professora do Departamento de Geografia da UFRRJ) e Rafaela Neves (doutora em Geografia pela UFF, pesquisadora do LEMTO/UFF e professora da SEEDUC-RJ). A mesa foi coordenada por Paulo Alentejano, professor do departamento de Geografia da FFP/UERJ e coordenador do GeoAgrária.